Clemente de Alexandria e Orígenes, seu sucessor, discernimos um tom e uma ênfase inteiramente diferentes. Em ambos, e especialmente em Orígenes, ouvimos a voz de Platão mais que a de Paulo. Se bem que estes dois teólogos estivessem saturados do conhecimento das Escrituras, criam em Cristo e o amavam supremamente. Apesar de tal fato, seus escritos exalam o espírito da filosofia grega. A perfeição que eles ensinam, não obstante impregnada da mente de Jesus e Paulo, é uma transformação cristã do ideal da virtude e da bondade perfeita que encontramos nos diálogos de Platão. Pág. 37.
Algumas pessoas têm colocado em dúvida a inclusão de Agostinho entre os campeões da perfeição cristã. O certo é que seu nome aparece entre amigos e inimigos desta verdade.
H. Orton Wiley inclui Agostinho entre as testemunhas da doutrina. Como evidência, ele cita a declaração de Agostinho que “ninguém deve atrever-se a dizer que Deus não pode destruir o pecado original nos membros, e estar Ele mesmo presente na alma, de maneira que, estando a velha natureza abolida inteiramente, a vida possa ser vivida aqui em baixo como uma contemplação eterna de Quem está em cima” [H. Orton Wiley, Cristian Theology, II, págs. 449-450]. Pág. 60.
Por outro lado, Agostinho também escreve o seguinte, em sua obra intitulada Retratações: “Ninguém, nesta vida, deve ser tão privilegiado... que não venha a existir em seus membros uma lei que luta contra a lei de sua mente” [1:19]. Ele inclui até os Apóstolos neste juízo. Somente Jesus e sua mãe (sic), afirma Agostinho, eram sem pecado [De natura et gratia, págs. 41-42]. Pág. 60.
A que se deve esta ambivalência? Em primeiro lugar, a tensão do conflito de Agostinho com Pelágio, que rejeitava a idéia do pecado original, levou o primeiro a negar a possibilidade de se viver sem pecado, nesta vida. Sob a pressão deste debate Agostinho uma posição extrema, que contradizia seus postulados declarados no restante de sua obra. Pág. 61-61.
Todavia há uma razão mais profunda desta confusão. A doutrina cabalmente desenvolvida sobre o pecado original, de Agostinho, embora tivesse obviamente suas raízes nas Escrituras, também exibia evidência inequívoca da influência grega, que falsearam o ensinamento bíblico. O resultado é uma doutrina na qual duas idéias inteiramente diferentes de pecado se mesclam e se confundem.
Agostinho pensava que a queda introduzira a luxúria ou concupiscência, que ele descreveu mais vividamente como o desejo sexual. Se o que Tiago chama “concupiscência” (Tg 1:14-15) é o pecado original, ou a depravação, então, obviamente, a inteira santificação é uma ilusão.
Mas o que nós declaramos é que tal compreensão de pecado original traz à tona uma tendência helenista de pensar no corpo físico como algo pecaminoso por si – o que é uma idéia que as Escrituras desconhecem. Destas premissas deve-se aceitar que tentação implica pecado. Qualquer doutrina da salvação que ligue o pecado tão intimamente aos desejos do corpo, terá que dar a mão a Agostinho e duvidar da possibilidade de alcançar a santidade antes da morte.
A doutrina agostiniana do pecado original deixou como herança à Igreja a chamada “teoria das duas naturezas”. Este é o ensinamento de que, pela graça, recebemos uma nova natureza, santa e justa, e que é uma adição à velha natureza – que permanece. Portanto o crente que nasceu de novo tem duas naturezas: uma, nova e livre do pecado; e outra velha e corrupta. Estas duas naturezas existem lado a lado, até a morte do crente. Desse modo, a santificação é somente um processo gradual, que espera a morte para dar-se por terminado ou completo. Pág. 61.
Até que este problema seja resolvido, é impossível ter-se uma doutrina bíblica da perfeição. Ninguém que pense seriamente sobre o tema pode fazer, por um lado, as perguntas que Agostinho faz mediante seu conceito de pecado original. Pág. 61-62.
Nenhum comentário:
Postar um comentário