quarta-feira, 10 de novembro de 2010

E a Dança na Bíblia? - por Samuele Bacchiocchi

Pergunta: Os adventistas e outros cristãos conservadores têm, em geral, se oposto à dança social, tão popularizada em nossos dias. Contudo, o salmista, por duas vezes, convida os fiéis a louvarem a Deus “com dança” (Salmo 149:3; 150:4). Isso significa que a dança é apropriada para os cristãos hoje, dentro da igreja, mas imprópria fora?

Muitos vêm nessas referências dos salmos um favorecimento à dança religiosa na igreja, e à dança social fora dos átrios sagrados. Raciocinam que se a dança na Bíblia é um componente de culto, então deve ser uma forma legítima de entretenimento social. Essa suposição é baseada na leitura superficial dos dois textos acima, e numa compreensão errônea da natureza da dança social na Bíblia.

Os eruditos discutem a tradução correta do termo hebraico machowl, vertendo-o como “dançar”, no Salmo 149:3, e como “dança” no Salmo 150:4. Machowl é derivado de chuwl, que significa “fazer uma abertura”1, numa possível alusão a um instrumento musical como a flauta. Em ambas as passagens, machowl ocorre no contexto de uma lista de instrumentos usados para louvar o Senhor. Como o salmista está mencionando todos os instrumentos usados no louvor, é razoável supor que machowl seja também um instrumento musical. O paralelismo da expressão, tão típico da poesia hebraica, também apóia essa conclusão.

Ademais, a linguagem figurativa desses dois salmos não permite uma interpretação literal de dançar. O salmo 149 encoraja o povo a louvar o Senhor nos “leitos” e com “uma espada de dois gumes na mão”, que são, obviamente, expressões figurativas. O mesmo se pode dizer do salmo 150. O propósito dessas passagens não é de especificar o local ou os instrumentos usados para louvar a Deus durante o culto divino, nem é sua intenção conceder licença de dança em homenagem ao Senhor na igreja. Antes, o propósito é um convite ao louvor.

Davi fundou o ministério musical no templo. Ele instituiu não somente o tempo, o lugar e as palavras para o coral levítico, como também “fez” os instrumentos musicais a serem usados em seu ministério (I Crôn. 23:5; II Crôn. 7:6).

Os dois instrumentos que acompanhavam o coral levítico eram a lira e a harpa, chamados de “instrumentos de música” (II Crôn. 5:13) ou “instrumentos para os cânticos de Deus” (I Crôn. 16:42). Sua função era acompanhar os cânticos de louvor e de gratidão ao Senhor (I Crôn. 23:5; II Crôn. 5:13).

Gaten Wolf disse: “Os instrumentos de corda eram usados extensivamente para acompanhar o cântico, uma vez que não encobriam a voz da `Palavra de Jeová’, que estava sendo cantada”.2

A Bíblia fala sobre dança 28 vezes. Cada referência é uma celebração social de acontecimentos especiais, tais como uma vitória militar, um festival religioso ou uma reunião de família. As danças eram processionais, envolventes ou extasiantes, e praticadas principalmente por mulheres e crianças, que dançavam separadamente.

As Escrituras não indicam que homens e mulheres dançavam juntos, romanticamente, ao modo dos casais de hoje. Como H. M. Wolf observa: “Como o modo da dança não seja conhecido detalhadamente, é claro que homens e mulheres não dançavam juntos em geral, e não há evidência real de que jamais o fizessem”.3

Aqueles que apelam para as referências bíblicas à dança a fim de justificar a dança romântica moderna, dentro ou fora da igreja, ignoram a vasta diferença entre ambas. Aplicar a noção bíblica de dança ao bailado hodierno é um engano, para dizer o mínimo.

Samuele Bacchiocchi (Ph.D.), autor de muitos livros, ensinou teologia e história da igreja na Andrews University. O artigo aqui publicado está baseado no capítulo 7 de seu livro The Christian and Rock Music.


Notas e referências:

1.   Ver, por exemplo, Adam Clarke, Clarke’s Commentary (Nashville, Tenn.: Abingdon, n. d.) 3:688.
2.   Garen L. Wolf, Music of the Bible in Christian Perspective (Salem, Ohio: Schmul Publ. Co., 1996), pág. 287.
3.   H. M. Wolf, “Dancing,” The Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible, Merrill C. Tenney, ed. (Grand Rapids, Mich.: Zondervan, 1976), 2:12.

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